The Project Gutenberg EBook of O Livro de Cesario Verde, by Cesario Verde Copyright laws are changing all over the world. Be sure to check the copyright laws for your country before downloading or redistributing this or any other Project Gutenberg eBook. This header should be the first thing seen when viewing this Project Gutenberg file. Please do not remove it. Do not change or edit the header without written permission. Please read the "legal small print," and other information about the eBook and Project Gutenberg at the bottom of this file. Included is important information about your specific rights and restrictions in how the file may be used. 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A minha �obra� terminou no dia em que elle saiu da nossa doce amizade para a nossa terr�vel amargura: morri, meu querido Jorge--deixe-me chamar assim ao irm�o do meu querido Cesario;--morri para as alegrias do trabalho, para as esperan�as dos enganos doces! O desmoronamento fez-se, a um tempo, no esp�rito e no cora��o! Dos restos do passado deixe-me offerecer-lhe a dedica��o extremada: pe�a-me o sacrif�cio; e, quando no decorrer da vida, se lembrar de n�s, tenha este pensamento consolador:--A grande alma de meu irm�o soube imp�r-se a um cora��o endurecido; e tenha este outro pensamento: --Mas n�o estava de todo endurecido o cora��o que soube amal-a. Adeus, meu querido Jorge! S.P. 20 de julho de 1886. Encontr�mo-nos pela primeira vez no Curso Superior de Lettras. Foi em 1873. Cesario Verde marticulara-se no Curso em homenagem �s Lettras, como se as Lettras l� estivessem--no Curso. Eu matriculara-me, com a esperan�a de habilitar-me um dia � conquista de uma cadeira disponivel. Encontr�mo-nos e fic�mos amigos--para a vida e para a morte. Para a vida e para a morte. Tenho de fallar de mim, se eu pretendo fallar de Cesario Verde. Elle n�o teve, desde aquelle dia--ha treze annos--maior amigo do que eu fui; e sobre esta mesa onde eu estou escrevendo, �s 10 horas da noite d'este formidavel dia glacial--20 de Julho de 1886, dia do seu enterro,--sobre esta mesa onde eu estou escrevendo tenho estas palavras suas de ha poucos dias:--�E como se d� o caso de tu seres o mais dedicado dos meus amigos...� Tenho aqui essas palavras: ellas constituem a justifica��o dos meus solu�os de ha poucas horas, alli, no cemiterio visinho onde elle dorme--o Cesario!--a sua primeira noite redimida... Eu fui, pois, a luctar nas grandes batalhas da Desgra�a, n'aquelle anno para mim terrivel de 1874. Fui-me, a dezenas de leguas de Lisboa. Elle ficou. E no dia em que eu medi for�as com as avan�adas do meu destino, a inquieta��o invadiu o espirito e o cora��o de Cesario Verde, por modo que j� eu assoberbara com o meu desprezo a desventura pertinaz e ainda elle n�o ving�ra libertar-se do peso de seus cuidados e affli��es. Durante annos escreveu-me centenares de paginas--commentarios sobre os meus infortunios, conselhos do seu espirito lucidissimo, sobresaltos do seu cora��o fraternal. Um dia, troc�mos estas palavras:--�Como tu tens tempo, meu amigo, para soffrer tanto!�--�Como tu tens tempo, meu amigo, para me acompanhar no soffrimento!�. � indispensavel ter conhecido intimamente Cesario Verde para conhecel-o um pouco. Os que apenas lhe ouviram a phrase rapida, imperiosa, dogmatica, mal podem imaginar o fundo de tolerancia espectante d'aquelle bello e poderoso espirito. Elle tinha o furor da discuss�o--a toda a hora. Eu care�o de preparar-me durante horas para a simples comprehens�o. As exigencias do meu caro polemista irritavam-me. Eu respondia ao acaso; mas acontecia por vezes que o sorriso ligeiramente ironico do perseguidor expandia-se n'um bom e largo sorriso de convencido; e ent�o--meu querido amigo! meu santo poeta!--elle saudava com um enthusiasmo de crean�a amoravel o que elle chamava o meu triumpho! N�o hesitava em confessar-se vencido; e congratulava-se commigo--porque eu o vencera inconscientemente. A generosa alma chamava �quillo a minha superioridade! Os campos, a verdura dos prados e dos montes; a liberdade do homem em meio da natureza livre: os seus sonhos amados; as suas realidades amadas! Quando aquelle artista delicado, quando aquelle poeta de primeira grandeza julgava em raros momentos sacrificar a Arte aos seus gostos de lavrador e de homem pratico, succedia que as cousas do campo, da vida pratica assimilavam a fecundante seiva artistica do poeta: e ent�o dos fructos alevantavam-se aromas que disputavam f�ros de poesia aos aromas das fl�res. O mesmo sopro bondoso e potente agitava e fecundava os milharaes e as violetas e os trigaes e as rosas! A bondade summa est� no poeta,--mais visivel, pelo menos, do que em Deus. Artista--e de alta plana! Eu pude v�l-o cioso de seus direitos e reivindicando-os com tanto de ingenuidade quanto de vigor. E pois que um ligeiro esbo�o, precedendo mais detido trabalho, estou elaborando sobre os tra�os mais salientes d'aquella individualidade, n�o me dispensarei d'esta indicrip��o: Ha dois mezes escrevia-me Cesario Verde: �O Doutor Sousa Martins perguntou-me qual era a minha occupa��o habitual. Eu respondi-lhe naturalmente: Empregado no commercio. Depois, elle referiu-se � minha vida trabalhosa que me distrahia, etc. Ora, meu querido amigo, o que eu te pe�o � que, conversando com o dr. Sousa Martins, lhe d�s a perceber que eu n�o sou o sr. Verde, empregado no commercio. Eu n�o posso bem explicar-te; mas a tua amizade comprehende os meus escrupulos: sim?...� E eu fui � beira de Sousa Martins e perguntei-lhe se o poeta Cesario Verde podia ser salvo. O grande e illustre medico tranquilisou-me --e apunhalou-me em pleno peito:--Que o poeta Cesario Verde estava irremediavelmente perdido! Meu poeta! Meu amigo! Tu estavas condemnado no tribunal superior, quando eu te mentia e ao publico e a mim proprio: estavas condemnado, meu santo! Mas podia viver tranquillo o teu orgulho de artista: o teu medico sabia que o poeta Cesario Verde eras tu proprio, meu pallido agonisante illudido! A esthesia, o processo artistico e a individualidade d'este admiravel e originalissimo poeta merecem � Critica independente uma atten��o desvelada. Eu n�o hesito em vincular o meu nome � promessa de um tributo que a obra de Cesario Verde est� reclamando. * * * * * E todavia, n�o p�de o meu espirito evadir-se � id�a consoladora de que � um sonho isto que o entenebrece! N�o p�des evadir-te, � meu espirito amargurado! mas eu vou libertar-te para a d�r! Foi �s cinco da tarde--ainda agora. Ca�a o sol a prumo sobre a estrada do Lumiar e n�s vinhamos arrastando a nossa miseria,--n�s os vivos; o morto arrastava a sua indifferen�a. Cheg�mos, com duas horas de amargura, alli ao porto de abrigo e de descan�o. Veio o ceremonial tragico, o latim, o encerramento. Caso de uma eloquencia terrivel: Entre algumas dezenas de homens n�o houve uma phrase indifferente--e em dado momento explosiram solu�os n'um enternecimento que ageitava a loira cabe�a do cadaver l� dentro do caix�o--como as m�os da m�e lh'a ageitaram infantil, no travesseiro, ha vinte e quatro annos, e moribunda ha vinte e quatro horas! Eram sete horas da tarde, � minha alma triste! Eu fui-me a chorar velhas lagrimas de gelo, avocadas por lagrimas de fogo recemnascidas. Fui-me por entre os tumulos, a pedir ao meu Deus de ha trinta annos que que me d�sse for�a, que me d�sse for�a nova,--pois que se prolonga o captiveiro! E a s�s, caminhando por entre os tumulos, ao cair da noite, pareceu-me comprehender que n�s recebemos for�a nova em cada nova d�r, para soffrermos de novo--do mesmo modo que o alcatruz de uma n�ra se despeja para encher-se, para despejar-se --sem saber porque... 20 de Agosto * * * * * A morada nova do Cesario � de pedra e tem uma porta de ferro, com um respiradouro em cruz;--rua n.� 6 do cemiterio dos Prazeres. � porta est� um arbusto da familia dos cyprestes--um brinde ao meu querido morto. Eu offerecera uma palmeira que o vento esgar�ou ao terceiro dia, e tive de escolher uma especie resistente, c� da minha ra�a--funebre e resistente. Est� verdejante e vigorosa a pequenina arvore, e de longe � uma sentinella perdida da minha doce amizade religiosa. De longe vou j� perguntando � nossa arvore:--Est� bom o nosso amigo?... E ella inclina os pequeninos trocos, com a gravidade do cypreste:--Bem; n�o houve novidade em toda a noite... � que eu vou pelas tardes visital-o; e saber como elle passou � todo um meu cuidado, como � toda a minha alegria o bem-estar d'aquella hora em que n�o ha risos. N�o fomos risonhos--o Cesario e eu. As nossas horas de convivencia foram tristes e severas. Depois da morte do Cesario eu deixei de viver nos dominios onde elle sentira consola��es, alentos, esperan�as, onde elle imagin�ra renascimentos, horisontes, claridades novas. Nunca mais publiquei uma palavra que se lhe n�o consagrasse--ao meu querido morto. Em face d'aquelle cadaver eu senti alastrar-se no meu pobre ser fatigado o bem-amado desprezo da vida. O meu santo est� alli,--est� resignado: � tudo. V�s todos, que o amastes, sabei que elle est� resignado--o nosso querido morto impassivel! E n'uma dessas tardes, alguns dias depois da sua morte, eu aproximei da porta de ferro a minha pobre cabe�a esbrazeada e olhei para dentro do jazigo, involuntariamente; e ent�o, como quer que eu visse l� a dentro do jazigo alguns caix�es arrumados, e como eu acertasse em descobrir o caix�o do Cesario, os solu�os despeda�aram-se contra a minha garganta, n'uma afflic��o immensa e cruel. E foi ent�o que a voz rouca e enfraquecida do Cesario--lembram-se da voz d'elle?--pronunciou distinctamente l� a dentro do caix�o:--�S� natural, meu amigo; s� natural!� Era a voz do Cesario; era a sua voz tremente e doce, � meu sagrado horror inconsciente! Debrucei-me contra a porta do jazigo e suppliquei n'uma angustia:--�Fala! Dize! Falla, outra vez, meu amigo!� N�o se reproduziu o doloroso encanto. Apenas uma especie de marulho brando, um arrastar de folhagem resequida--e o morto na paz da Morte! V�o j� decorridos dez annos sobre um periodo de alguns mezes serenos da minha via dolorosa. Eu viera a conquistar a certeza de que n�o havia luz misericordiosa para a noite que me vem acompanhando e torturando os olhos �vidos, desde o ber�o � sepultura redemptora. Cheguei aqui, � cidade maldita da minha primeira hora e trazia o sonho de uma aurora pacifica de vida nova no meu pobre espirito illudido. A aurora fez-se com um desabamento de esperan�as: a crueldade bestial que se debru��ra sobre o meu primeiro dia n�o estava arrependida, nem fatigada: a persegui��o renasceu. E quando eu, no singular desespero dos esmagados em sua cren�a, pensei na Morte como no abrigo antecipado--querido abrigo inevitavel!--a voz de Cesario foi a voz evocadora para a continua��o do soffrimento --do soffrimento amparado e protegido... Protegido! A protec��o foi a maior da grande alma serena para a pobre alma abatida: foi de lagrimas que se confundiram com as minhas lagrimas; foi aquelle sorriso triste de resigna��o, consagrado �s minhas amarguras,--que para o Cesario n�o foram mysteriosas; foi o aperto de m�o robusto, na vertigem do combate; foi a voz firme e severa na hora dos desfallecimentos; foi o reflexo permanente que a minha angustia encontrou na sua. Ah, santo! Ah, meu santo! Ah, meu puro e meu grande! Ah, meu forte! Vae-se na corrente, desfallecido, se nos n�o troveja nos ouvidos a voz reanimadora! Vae-se na corrente,--que o sei eu! Mas tu, depois do grito salvador, tinhas um applauso vibrante l� do fundo da tua grandeza e da tua generosidade. E tu sabias que me salvara a tua m�o, a tua palavra, a tua alma de justo, a tua face que eu n�o quizera v�r, contrahida e severa, retraindo-se perante o quadro da minha fraqueza! Tu bem o sabias,--forte, bom, generoso, nobre, sempre bom--e todavia sempre justo! A crise mais feroz atravessei-a, pois, abrigado,--abrigado pela sua voz amiga. Eu tive de luctar com a lenda de rebelli�o, com a desconfian�a dos homens praticos, com o odio dos pequeninos malvados offendidos em seus orgulhos e desmascarados em suas hypocrisias: conseguintemente, com a suppress�o do trabalho,--do p�o,--com a calumnia, com a intriga, com todas as armadilhas � minha colera, com todas as ciladas � minha f�... Ah, perdidos em paiz de Cafres! Mal conceberieis o horror de uma lucta como aquella, de todos os dias de dez annos, em paiz de conta aberta no bazar da Civilisa��o! Hoje, o meu santo amigo est� alli em baixo, na sua morada nova, esperando... Espera que eu v� dizer-lhe dos horisontes novos abertos � consciencia dos justos; espera que eu v� dizer-lhe as victorias da Justi�a absoluta--da Justi�a illuminada e serena;--espera que eu v� dizer-lhe as victorias do Trabalho, da Raz�o, da Sciencia, da Sinceridade, do Amor: os homens reconciliados, esclarecidos, a Natureza convertida em Progresso, Deus explicado, o Futuro illuminado, a Vida poss�vel, A Mulher fortalecida, o Homem abrandado, as luctas supprimidas, o concerto da Terra desentranhando-se em harmonias reconhecidas, a Bondade convertida em n�rma, os Direitos e os Deveres supprimidos pela Igualdade: os seus sonhos, a sua f�, o seu horisonte, o seu amor! Est� alli em baixo, esperando... Eu, mensageiro triste, n�o saberei dizer-lhe o ascend�r dos espiritos, e s� poderei levar-lhe no meu abatimento a demonstra��o da minha pouca f�, aggravada pela espantosa amargura d'estes ultimos dias,--d'estas ultimas horas. As vis�es do poeta h�o de emmurchecer confundidas com as ultimas rozas que a minha pobre m�o tremente e desfallecida lhe depor� no tumulo, e os restos da minha f� h�o-de misturar-se com o p� accumulado � entrada do seu tumulo pelo Nord�ste--menos frio do que a minha alma succumbida! * * * * * Silva Pinto. Os versos I CRISE ROMANESCA DESLUMBRAMENTOS Milady, � perigoso contemplal-a, Quando passa aromatica e normal, Com seu typo t�o nobre e t�o de sala, Com seus gestos de neve e de metal. Sem que n'isso a desgoste ou desenfade, Quantas vezes, seguindo-lhe as passadas, Eu vejo-a, com real solemnidade, Ir impondo toilettes complicadas!... Em si tudo me attrae como um thesoiro: O seu ar pensativo e senhoril, A sua voz que tem um timbre de oiro E o seu nevado e lucido perfil! Ah! Como m'estont�a e me fascina... E �, na gra�a distincta do seu porte, Como a Moda superflua e feminina, E t�o alta e serena como a Morte!... Eu hontem encontrei-a, quando vinha, Britannica, e fazendo-me assombrar; Grande dama fatal, sempre s�sinha, E com firmeza e musica no andar! O seu olhar possue, n'um fogo ardente, Um archanjo e um demonio a illuminal-o; Como um florete, fere agudamente, E afaga como o pello d'um regalo! Pois bem. Conserve o gelo por esposo, E mostre, se eu beijar-lhe as brancas m�os, O modo diplomatico e orgulhoso Que Anna d'Austria mostrava aos cortez�os. E emfim prosiga altiva como a Fama, Sem sorrisos, dramatica, cortante; Que eu procuro fundir na minha chamma Seu ermo cora��o, como um brilhante. Mas cuidado, milady, n�o se afoite, Que h�o-de acabar os barabaros reaes; E os povos humilhados, pela noite, Para a vingan�a agu�am os punhaes. E um dia, � flor do Luxo, nas estradas, Sob o setim do Azul e as andorinhas, Eu hei-de ver errar, allucinadas, E arrastando farrapos--as rainhas! SEPTENTRIONAL Talvez j� te esquecesses, � bonina, Que viveste no campo s� commigo, Que te osculei a bocca purpurina, E que fui o teu sol e o teu abrigo. Que fugiste commigo da Babel, Mulher como n�o ha nem na Circassia, Que bebemos, n�s dois, do mesmo fel, E reg�mos com prantos uma acacia. Talvez j� te n�o lembres com desgosto D'aquellas brancas noites de mysterio, Em que a lua sorria no teu rosto E nas lages que est�o no cemiterio. Quando, � brisa outoni�a, como um manto, Os teus cabellos d'ambar desmanchados, Se prendiam nas folhas d'um acantho, Ou nos bicos agrestes dos silvados, E eu ia desprendel-os, como um pagem Que a cauda solevasse aos teus vestidos; E ouvia murmurar � doce aragem Uns delirios d'amor, entristecidos; Quando eu via, invejoso, mas sem queixas, Pousarem borbeletas doudejantes Nas tuas formosissimas madeixas, D'aquellas c�r das messes lourejantes, E no pomar, n�s dois, hombro com hombro, Caminhavamos s�s e de m�os dadas, Beijando os nossos rostos sem assombro, E colorindo as faces desbotadas; Quando ao nascer d'aurora, unidos ambos N'um amor grande como um mar sem praias, Ouviamos os meigos dithyrambos, Que os rouxinoes teciam nas olaias, E, afastados da aldeia e dos casaes, Eu comtigo, abra�ado como as heras, Escondidos nas ondas dos trigaes, Devolvia-te os beijos que me d�ras; Quando, se havia lama no caminho, Eu te levava ao collo sobre a greda, E o teu corpo nevado como o arminho Pesava menos que um papel de s�da... E foste sepultar-te, � seraphim, No claustro das Fieis emparedadas, Escondeste o teu rosto de marfim No v�u negro das freiras resignadas. E eu passo, t�o calado como a Morte, N'esta velha cidade t�o sombria, Chorando afflictamente a minha sorte E prelibando o calix da agonia. E, tristissima Helena, com verdade, Se pod�ra na terra achar supplicios, Eu tambem me faria gordo frade E cobriria a carne de cilicios. MERIDIONAL Cabellos � vagas de cabello esparsas longamente, Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar, E tendes o crystal d'um lago refulgente E a rude escurid�o d'um largo e negro mar; Cabellos torrenciaes d'aquella que m'enleva, Deixae-me mergulhar as m�os e os bra�os n�s No barathro febril da vossa grande treva, Que tem scintilla��es e meigos ceos de luz. Deixae-me navegar, morosamente, a remos, Quando elle estiver brando e livre de tuf�es, E, ao placido luar, � vagas, marulhemos E enchamos de harmonia as amplas solid�es. Daixae-me naufragar no cimo dos cachopos Occultos n'esse abysmo ebanico e t�o bom Como um licor rhenano a fermentar nos copos, Abysmo que s'espraia em rendas de Alen�on! E � magica mulher, � minha Inegualavel, Que tens o immenso bem de ter cabellos taes, E os pisas desdenhosa, altiva, imperturbavel, Entre o rumor banal dos hymnos triumphaes; Consente que eu aspire esse perfume raro, Que exhalas da cabe�a erguida com fulgor, Perfume que estont�a um millionario avaro E faz morrer de febre um louco sonhador. Eu sei que tu possues balsamicos desejos, E vaes na direc��o constante do querer, Mas ou�o, ao ver-te andar, melodicos harpejos, Que fazem mansamente amar e elanguescer. E a tua cabelleira, errante pelas costas, Supponho que te serve, em noites de ver�o, De flaccido espaldar aonde te recostas Se sentes o abandono e a morna prostra��o. E ella hade, ella hade, um dia, em turbilh�es insanos Nos rolos envolver-me e armar-me do vigor Que antigamente deu, nos circos dos romanos, Um oleo para ungir o corpo ao gladiador. * * * * * � mantos de veludo esplendido e sombrio, Na vossa vastid�o posso talvez morrer! Mas vinde-me aquecer, que eu tenho muito frio E quero asphyxiar-me em ondas de prazer. IRONIAS DO DESGOSTO �Onde � que te nasceu�--dizia-me ella �s vezes-- �O horror calado e triste �s cousas sepulcraes? �Porque � que n�o possues a verve dos Francezes �E aspiras, em silencio, os frascos dos meus saes? �Porque � que tens no olhar, moroso e persistente, �As sombras d'um jazigo e as fundas abstrac��es, �E abrigas tanto fel no peito, que n�o sente �O abalo feminil das minhas expans�es? �Ha quem te julgue um velho. O teu sorriso � falso; �Mas quando tentas rir parece ent�o, meu bem, �Que est�o edificando um negro cadafalso �E ou vae alguem morrer ou vao matar alguem! �Eu vim--n�o sabes tu?--para gosar em maio, �No campo, a quieta��o banhada de prazer! �N�o v�s, � desc�rado, as vestes com que saio, �E os jubilos, que abril acaba de trazer? �N�o v�s como a campina � toda embalsamada �E como nos alegra em cada nova flor? �E ent�o porque � que tens na fronte consternada �Um n�o sei qu� tocante e enternecedor? E eu s� lhe respondia:--�Escuta-me. Conforme �Tu vibras os crystaes da bocca musical, �Vae-nos minando o tempo, o tempo--o cancro enorme �Que te ha de corromper o corpo de vestal. �E eu calmamente sei, na d�r que me amortalha, �Que a tua cabecinha ornada � Rabagas, �A pouco e pouco ha de ir tornando-se grisalha �E em breve ao quente sol e ao gaz alvejar�! �E eu que daria um rei por cada teu suspiro, �Eu que amo a mocidade e as modas futeis, vans, �Eu morro de pezar, talvez, porque prefiro �O teu cabelo escuro �s veneraveis cans!� HUMILHA��ES (De todo o cora��o--a Silva Pinto) Esta aborrece quem � pobre. Eu, quasi Job, Acceito os seus desdens, seus odios idolatro-os; E espero-a nos sal�es dos principaes theatros, Todas as noites, ignorado e s�. L� can�a-me o ranger da seda, a orchestra, o gaz; As damas, ao chegar, gemem nos espartilhos, E emquanto v�o passando as cortezans e os brilhos, Eu analyso as pe�as no cartaz. Na representa��o d'um drama de Feuillet, Eu aguradava, junto � porta, na penumbra, Quando a mulher nervosa e van que me deslumbra Saltou soberba o estribo do coup�. Como ella marcha! Lembra um magnetisador. Ro�avam no veludo as guarni��es das rendas; E, muito embora tu, burguez, me n�o entendas, Fiquei batendo os dentes de terror. Sim! Por n�o podia abandonal-a em paz! � minha pobre bolsa, amortalhou-se a id�a De vel-a aproximar, sentado na plat�a, De tel a n'um binoculo mordaz! Eu occultava o fraque usado nos bot�es; Cada contratador dizia em voz rouquenha: --Quem compra algum bilhete ou vende alguma senha? E ouviam-se c� f�ra as ova��es. Que desvanecimento! A perola do Tom! As outras ao p� d'ella imitam as bonecas; Tem menos melodia as harpas e as rabecas, Nos grandes espetaculos do Som. Ao mesmo tempo, eu n�o deixava de a abranger; Vi-a subir, direita, a larga escadaria E entrar no camarote. Antes estimaria Que o ch�o se abrisse para me abater. Sa�; mas ao sair senti-me atropellar. Era um municipal sobre um cavallo. A guarda Espanca o povo. Irei-me; e eu, que detesto a farda, Cresci com raiva contra o militar. De subito, fanhosa, infecta, rota, m�, P�z-se na minha frente uma velhinha suja, E disse-me, piscando os olhos de coruja: --Meu bom senhor! D�-me um cigarro? D�?... RESPONSO I N'um castello deserto e solitario, Toda de preto, �s horas silenciosas, Envolve-se nas pregas d'um sudario E chora como as grandes criminosas. Podesse eu ser o len�o de Bruxellas Em que ella esconde as lagrimas singellas. II E loura como as doces escocezas, D'uma belleza ideal, quasi indecisa; Circumda-se de luto e de tristezas E excede a melancolica Artemisa. Fosse eu os seus vestidos afogados E havia de escutar-lhe os seus peccados. III Alta noite, os planetas argentados Deslisam um olhar macio e vago Nos seus olhos de pranto marejados E nas aguas mansissimas do lago Podesse eu ser a lua, a lua terna, E faria que a noite fosse eterna. IV E os abutres e os corvos fazem giros De roda das ameias e dos p�gos, E nas salas resoam uns suspiros Dolentes como as supplicas dos cegos. Fosse eu aquellas aves de pilhagem E cercara-lhe a fronte, em homenagem. V E ella vaga nas praias rumorosas, Triste como as rainhas desthronadas, A contemplar as gondolas airosas, Que passam, a giorno illuminadas. Podesse eu ser o rude gondoleiro E alli � que fizera o meu cruzeiro. VI De dia, entre os veludos e entre as sedas, Murmurando palavras afflictivas, Vagueia nas umbrosas alamedas E acarinha, de leve, as sensitivas. Fosse eu aquellas arvores frondosas E prendera-lhe as roupas vaporosas. VII Ou domina, a rezar, no pavimento Da capella onde outr'ora se ouviu missa, A musica dulcissima do vento E o sussuro do mar, que s'espregui�a. Podesse eu ser o mar e os meus desejos Eram ir borrifar-lhe os p�s, com beijos. VIII E �s horas do crepusculo saudosas, Nos parques com tapetes cultivados, Quando ella passa curvam-se amorosas As estatuas dos seus antepassados. Fosse eu tambem granito e a minha vida Era v�l-a a chorar arrependida. IX No palacio isolado como um monge, Erram as velhas almas dos prec�tos, E nas noites de inverno ouvem-se ao longe Os lamentos dos naufragos afflictos. Podesse eu ter tambem uma procella E as lentas agonias ao p� d'ella! X E �s lages, no silencio dos mosteiros, Ella conta o seu drama negregado, E o vasto carmesim dos resposteiros Ondula como um mar ensanguentado. Fossem aquellas mil tape�arias Nossas mortalhas quentes e sombrias. XI E assim passa, chorando, as noites bellas, Sonhando nos tristes sonhos doloridos, E a reflectir nas gothicas janellas As estrellas dos ceus desconhecidos. Podesse eu ir sonhar tambem comtigo E ter as mesmas pedras no jazigo! XII Mergulha-se em angustias lacrimosas Nos ermos d'um castello abandonado, E as proximas florestas tenebrosas Repercutem um choro amargurado. Unissemos, n�s dois, as nossas covas, � doce castell� das minhas trovas! II NATURAES CONTRARIEDADES Eu hoje estou cruel, frenetico, exigente; Nem posso tolerar os livros mais bizarros. Incrivel! J� fumei tres massos de cigarros Consecutivamente. Doe-me a cabe�a. Abafo uns desesperos mudos: Tanta deprava��o nos usos, nos costumes! Amo, insensatamente, os acidos, os gumes E os angulos agudos. Sentei-me � secretaria. Alli defronte m�ra Uma infeliz, sem, peito, os dois pulm�es doentes; Soffre de falta d'ar, morreram-lhe os parentes E engomma para f�ra. Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas! T�o livida! O doutor deixou-a. Mortifica. Lidando sempre! E deve a conta � botica! Mal ganha para sopas... O obstaculo estimula, torna-nos perversos; Agora sinto-me eu cheio de raivas frias, Por causa d'um jornal me regeitar, ha dias, Um folhetim de versos. Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta No fundo da gaveta. O que produz o estudo? Mais d'uma redac��o, das que elogiam tudo, Me tem fechado a porta. A critica segundo o methodo de Taine Ignoram-n'a. Juntei n'uma fogueira immensa. Muitissimos papeis ineditos. A imprensa Vale um desdem solemne. Com raras excep��es merece-me o epigramma. Deu meia-noite; e em paz pela cal�ada abaixo, Um sol-e-d�. Chovisca. O populacho Diverte-se na lama. Eu nunca dediquei poemas �s fortunas, Mas sim, por deferencia a amigos ou a artistas, Independente! S� por isso os jornalistas Me negam as columnas. Receiam que o assignante ingenuo os abandone, Se forem publicar taes cousas, taes auctores. Arte? N�o lhes convem, visto que os seus leitores Deliram por Zaccone. Um prosador qualquer desfructa fama honrosa, Obtem dinheiro, arranja a sua �coterie�; E a mim, n�o ha quest�o que mais me contrarie Do que escrever em prosa. A adula��o repugna aos sentimentos finos; Eu raramente falo aos nossos litteratos, E apuro-me em lan�ar originaes e exactos, Os meus alexandrinos... E a tisica? Fechada, e com o ferro acceso! Ignora que a asphyxia a combust�o das brazas, N�o foge do estendal que lhe humedece as casas, E fina-se ao desprezo! Mantem-se a ch� e p�o! Antes de entrar na cova. Esvae-se; e todavia, � tarde, fracamente, Oi�o-a cantarolar uma can��o plangente D'uma opereta nova! Perfeitamente. Vou findar sem azedume. Quem sabe se depois, eu rico e n'outros climas, Conseguirei reler essas antigas rimas, Impressas em volume? Nas lettras eu conhe�o um campo de manobras; Emprega-se a r�clame, a intriga, o annuncio, a blague, E esta poesia pede um editor que pague Todas as minhas obras... E estou melhor; passou-me a colera. E a visinha? A pobre engommadeira ir-se-ha deitar sem ceia? Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. � feia... Que mundo! Coitadinha! A DEBIL Eu, que sou feio, solido, leal, A ti, que �s bella, fragil, assustada, Quero estimar-te, sempre, recatada N'uma existencia honesta, de crystal. Sentado � mesa d'um caf� devasso, Ao avistar-te, ha pouco, fraca e loura, N'esta Babel t�o velha e corruptora, Tive ten��es de offerecer-te o bra�o. E, quando soccorreste um miseravel, Eu, que bebia calices d'absintho, Mandei ir a garrafa, porque sinto Que me tornas prestante, bom, saudavel. �Ella ahi vem!� disse eu para os demais; E puz-me a olhar, v�xado e suspirando, O teu corpo que pulsa, alegre e brando, Na frescura dos linhos matinaes. Via-te pela porta envidra�ada; E invejava,--talvez que o n�o suspeites!-- Esse vestido simples, sem enfeites, N'essa cintura tenra, immaculada. Ia passando, a quatro, o patriarcha. Triste eu sahi. Do�a-me a cabe�a; Uma turba ruidosa, negra, espessa, Voltava das exequias d'um monarcha. Adoravel! Tu muito natural Seguias a pensar no teu bordado; Avultava, n'um largo arborisado, Uma estatua de rei n'um pedestal. Sorriam nos seus trens os titulares; E ao claro sol, guardava-te, no entanto, A tua boa m�e, que te ama tanto, Que n�o te morrer� sem te casares! Soberbo dia! Impunha-me respeito A limpidez do teu semblante grego; E uma familia, um ninho de socego, Desejava beijar sobre o teu peito. Com elegancia e sem ostenta��o, Atravessavas branca, esvelta e fina, Uma chusma de padres de batina, E d'altos funccionarios da na��o. �Mas se a atropella o povo turbolento! Se fosse, por acaso, alli pisada!� De repente, paraste embara�ada Ao p� d'um numeroso ajuntamento. E eu, que urdia estes faceis esbocetos, Julguei v�r, com a vista de poeta, uma pombinha timida e quieta N'um bando amea�ador de corvos pretos. E foi, ent�o, que eu homem varonil, Quiz dedicar-te a minha pobre vida, A ti, que �s tenue, docil, reconhecida, Eu, que sou habil, pratico, viril. N'UM BAIRRO MODERNO A Manuel Ribeiro Dez horas da manh�; os transparentes Matizam uma casa apala�ada; Pelos jardins estancam-se os nascentes, E fere a vista, com brancuras quentes, A larga rua macadamisada. Rez-de-chauss�e repousam socegados, Abriram-se, n'alguns, as persianas, E d'um ou d'outro, em quartos estucados, Ou entre a rama dos papeis pintados, Reluzem, n'um almo�o, as porcelanas. Como � saudavel ter o seu conchego, E a sua vida facil! Eu descia, Sem muita pressa, para o meu emprego, Aonde agora quasi sempre chego Com as tonturas d'uma apoplexia. E rota, pequenina, aramafada, Notei de costas uma rapariga, Que no xadrez marmoreo d'uma escada, Como um retalho de horta agglomerada, Pous�ra, ajoelhando, a sua giga. E eu, apesar do sol, examinei-a: Poz-se de p�: resoam-lhe os tamancos; E abre-se-lhe o algod�o azul da meia, Se ella se curva, esguedelhada, feia, E pendurando os seus bracinhos brancos. Do patamar responde-lhe um criado: �Se te conv�m, despacha; n�o converses. Eu n�o dou mais.� E muito descan�ado, Atira um cobre livido, oxidado, Que vem bater nas faces d' uns alperces. Subitamente,--que vis�o de artista!-- Se eu transformasse os simples vegetaes, � luz do sol, o intenso colorista, N'um ser humano que se mova e exista Cheio de bellas propor��es carnaes?! Boiam aromas, fumos de cozinha; Com o cabaz �s costas, e vergando, Sobem padeiros, claros de farinha; E �s portas, uma ou outra campainha Toca, frenetica, de vez em quando. E eu recompunha, por anatomia, Um novo corpo organico, aos bocados. Achava os tons e as f�rmas. Descobria Uma cabe�a n'uma melancia, E n'uns repolhos seios injectados. As azeitonas, que nos d�o o azeite, Negras e unidas, entre verdes folhos, S�o tran�as d'um cabello que se ageite; E os nabos--ossos nus, da c�r do leite, E os cachos d'uvas--os rosarios d'olhos. Ha collos, hombros, boccas, um semblante Nas posi��es de certos fructos. E entre As hortali�as, tumido, fragrante, Como d'alguem que tudo aquilo jante, Surge um mel�o, que me lembrou um ventre. E, como um feto, emfim, que se dilate, Vi nos legumes carnes tentadoras, Sangue na ginja vivida, escarlate, Bons cora��es pulsando no tomate E dedos hirtos, rubros, nas cenouras. O sol dourava o c�o. E a regateira, Como vendera a sua fresca alface E d�ra o ramo de hortel� que cheira, Voltando-se, gritou-me prazenteira: �N�o passa mais ninguem!... Se me ajudasse?!...� Eu acerquei-me d'ella, sem desprezo; E, pelas duas azas a quebrar, N�s levant�mos todo aquelle peso Que ao ch�o de pedra resistia preso, Com um enorme esfor�o muscular. �Muito obrigada! Deus lhe d� sa�de!� E recebi, n�quella despedida, As for�as, a alegria, a plenitude, Que brotam d'um excesso de virtude Ou d'uma digest�o desconhecida. E em quanto sigo para o lado opposto, E ao longe rodam umas carruagens, A pobre afasta-se, ao calor de agosto, Descolorida nas ma��s do rosto, E sem quadris na saia de ramagens. Um pequerrucho rega a trepadeira D'uma janella azul; e, com o ralo Do regador, parece que joeira Ou que borrifa estrellas; e a poeira Que eleva nuvens alvas e incensal-o. Chegam do gigo emana��es sadias, Oi�o um canario--que infantil chilrada!-- Lidam m�nages entre as gelosias, E o sol estende, pelas frontarias, Seus raios de laranja distillada. E pittoresca e audaz, na sua chita, O peito erguido, os pulsos nas ilhargas, D'uma desgra�a alegre que me incita, Ella apreg�a, magra, enfezadita, As suas couves repolhudas, largas. E como as grossas pernas d'um gigante, Sem tronco, mas athleticas, inteiras, Carregam sobre a pobre caminhante, Sobre a verdura rustica, abundante, Duas frugaes aboboras carneiras. CRYSTALISA��ES A Bettencourt Rodrigues Faz frio. Mas, depois d'uns dias de aguaceiros, Vibra uma immensa claridade crua. De cocaras, em linha os calceteiros, Com lentid�o, terrosos e grosseiros, Calcam de lado a lado a longa rua. Como as eleva��es seccaram do relento, E o descoberto sol abafa e cria! A frialdade exige o movimento; E as po�as d'agua, como em ch�o vidrento, Reflectem a molhada casaria. Em p� e perna, dando aos rins que a marcha agita, Disseminadas, gritam as peixeiras; Luzem, aquecem na manh� bonita, Uns barrac�es de gente pobresita. E uns quintalorios velhos com parreiras. N�o se ouvem aves; nem o choro d'uma nora! Tomam por outra parte os viandantes; E o ferro e a pedra--que uni�o sonora!-- Retinem alto pelo espa�o f�ra, Com choques rijos, asperos, cantantes. Bom tempo. E os rapag�es, morosos, duros, ba�os, Cuja columna nunca se endireita, Partem penedos; cruzam-se estilha�os. Pesam enormemente os grossos ma�os, Com que outros batem a cal�ada feita. A sua barba agreste! A l� dos seus barretes! Que espessos forros! N'uma das regueiras Acamam-se as japonas, os colletes: E elles descal�am com os picaretes, Que ferem lume sobre pederneiras. E n'esse rude mez, que n�o consente as flores, Fund�am, como a esquadra em fria paz, As arvores despidas. Sobrias c�res! Mastros, enxarcias, vergas! Valladores Atiram terra com as largas p�s. Eu julgo-me no Norte, ao frio--o grande agente!-- Carros de m�o, que chiam carregados, Conduzem saibro, vagarosamente; V� se a cidade, mercantil, contente: Madeiras, aguas, multid�es, telhados! Negrejam os quintaes, enxuga e alvenaria; Em arco, sem as nuvens fluctuantes, O ceu renova a tinta corredia; E os charcos brilham tanto, que eu diria Ter ante mim lag�as de brilhantes! E engelhem muito embora, os fracos, os tolhidos, Eu tudo encontro alegremente exacto. Lavo, refresco, limpo os meus sentidos. E tangem-me, excitados, sacudidos, O tacto, a vista, o ouvido, o gosto, o olfacto! Pede-me o corpo inteiro esfor�os na friagem De t�o lavada e egual temperatura! Os ares, o caminho, a luz reagem; Cheira-me a fogo, a silex, a ferragem; Sabe-me a campo, a lenha, a agricultura. Mal encarado e negro, um p�ra emquanto eu passo; Dois assobiam, altas as marretas Possantes, grossas, temperadas d'a�o; E um gordo, o mestre, com um ar de rala�o E manso, tira o nivel das valletas. Homens de carga! Assim as bestas v�o curvadas! Que vida t�o custosa! Que diabo! E os cavadores pousam as enxadas, E cospem nas callosas m�os gretadas, Para que n�o lhes escorregue o cabo. Povo! No panno cru rasgado das camizas Uma bandeira penso que transluz! Com ella soffres, bebes, agonisas: Listr�es de vinho lan�am-lhe divisas, E os suspensorios tra�am-lhe uma cruz! D'escuro, bruscamente, ao cimo da barroca, Surge um perfil direito que se agu�a; E ar matinal de quem sahiu da toca, Uma figura fina, desemboca, Toda abafada n'um casaco � russa. D'onde ella vem! A actriz que tanto comprimento E a quem, � noite na plateia, attraio Os olhos lizos como polimento! Com seu rostinho estreito, friorento, Caminha agora para o seu ensaio. E aos outros eu admiro os dorsos, os costados Como laj�es. Os bons trabalhadores! Os filhos das lezirias, dos montados; Os das planicies, altos, aprumados; Os das montanhas, baixos, trepadores! Mas fina de fei��es, o queixo hostil, distincto, Furtiva a tiritar em suas pelles, Espanta-me a actrizita que hoje pinto, N'este dezembro energico, succinto, E n'estes sitios suburbanos, reles! Como animaes communs, que uma picada esquente, Elles, bovinos, masculos, ossudos, Encaram-n'a sanguinea, brutamente: E ella vacilla, hesita impaciente Sobre as botinhas de tac�es agudos. Por�m, desempenhando o seu papel na pe�a, Sem que inda o publico a passagem abra, O demonico arrisca-se, atravessa Covas, entulhos, lama�aes, depressa, Com seus p�sinhos rapidos, de cabra! NOITES GELIDAS MERINA Rosto comprido, airosa, angelical, macia, Por vezes, a allem� que eu sigo e que me agrada, Mais alva que o luar de inverno que me esfria, Nas ruas a que o gaz d� noites de ballada; Sob os abafos bons que o Norte escolheria, Com seu passinho curto e em suas l�s forrada, Recorda-me a elegancia, a gra�a, a galhardia De uma ovelhinha branca, ingenua e delicada. SARDENTA Tu, n'esse corpo completo, � lactea virgem doirada, Tens o lymphatico aspecto D'uma camelia melada. FLORES VELHAS Fui hontem visitar o jardimzinho agreste, Aonde tanta vez a luz nos beijou, E em tudo vi sorrir o amor que tu me deste, Soberba como um sol, serena como um v�o. Em tudo scintillava o limpido poema Com osculos rimado �s luzes dos planetas; A abelha inda zumbia em torno da alfazema; E ondulava o matiz das leves borboletas. Em tudo eu pude ver ainda a tua imagem, A imagem que inspirava os castos madrugaes; E as vira��es, o rio, os astros, a pasizagem, Traziam-me � memoria idyllios immortaes. Diziam-me que tu, no florido passado, Detinhas sobre mim, ao p� d'aquellas rosas, Aquelle teu olhar moroso e delicado, Que fala de languor e d'emo��es mimosas; E, � pallida Clarisse, � alma ardente e pura, Que n�o me desgostou nem uma vez sequer, Eu n�o sabia haurir do calix da ventura O nectar que nos vem dos mimos da mulher. Falou-me tudo, tudo, em tons commovedores, Do nosso amor, que uniu as almas de dois entes; As falas quasi irm�s do vento com as flores E a molle exhala��o das varzeas rescendentes. Inda pensei ouvir aquellas coisas mansas No ninho de affei��es creado para ti, Por entre o riso claro, e as vozes das crean�as, E as nuvens que esbocei, e os sonhos que nutri. Lembrei-me muito, muito, � symbolo das santas, Do tempo em que eu soltava as notas inspiradas, E sob aquelle ceo e sobre aquellas plantas Bebemos o elixir das tardes perfumadas. E nosso bom romance escripto n'um desterro, Com beijos sem ruido em noites sem luar, Fizeram-m'o reler, mais tristes que um enterro, Os goivos, a baunilha e as rosas de toucar. Mas tu agora nunca, ah! nunca mais te sentas Nos bancos de tijolo em musgo atapetados, E eu n�o beijarei, �s horas somnolentas, Os dedos de marfim, polidos e delgados... Eu, por n�o ter sabido amar os movimentos Da estrophe mais ideal das harmonias mudas, Eu sinto as decep��es e os grandes desalentos E tenho um riso mau como o sorrir de Judas. E tudo emfim passou, passou como uma penna, Que o mar leva no dorso exposto aos vendavaes, E aquella doce vida, aquella vida amena, Ah! nunca mais vir�, meu lyrio, nunca mais! � minha boa amiga, � minha meiga amante! Quando hontem eu pisei, bem magro e bem curvado, A areia em que rangia a saia ro�agante, Que foi na minha vida o ceo aurirosado, Eu tinha t�o impresso o cunho da saudade, Que as ondas que formei das suas illus�es Fizeram-me enganar na minha soledade E as azas ir abrindo �s minhas impress�es. Soltei com devo��o lembran�as inda escravas, No espa�o construi phantasticos castellos, No tanque debrucei-me em que te debru�avas, E onde o luar parava os raios amarellos. Cuidei at� sentir, mais doce que uma prece, Suster a minha f�, n'um veo consolador, O teu divino olhar que as pedras amollece, E ha muito que me prendeu nos carceres do amor. Os teus pequenos p�s, aquelles p�s suaves, Julguei-os esconder por entre as minhas m�os, E imaginei ouvir ao conversar das aves As celicas can��es dos anjos aos teus irm�os. NOITE FECHADA (L.) Lembras-te tu do sabbado passado, Do passeio que d�mos, devagar, Entre um saudoso gaz amarellado E as caricias leitosas do luar? Bem me lembro das altas ruasinhas, Que ambos n�s percorremos de m�os dadas: �s janellas palravam as visinhas; Tinham lividas luzes as fachadas. N�o me esque�o das cousas que disseste, Ante um pesado templo com recortes; E os cemiterios ricos, e o cypreste Que vive de gorduras e de mortes! N�s sa�ramos proximo ao sol-posto, Mas seguiamos cheios de demoras; N�o me esqueceu ainda o meu desgosto Nem o sino rachado que deu horas. Tenho ainda gravado no sentido, Porque tu caminhavas com prazer, Cara rapada, gordo e presumido, O padre que parou para te ver. Como uma mitra a c�pula da egreja Cobria parte do ventoso largo; E essa bocca vi�osa de cereja, Torcia risos com sabor amargo. A lua dava tremulas brancuras, Eu ia cada vez mais magoado; Vi um jardim com arvores escuras, Como uma jaula todo gradeado! E para te seguir entrei comtigo N'um pateo velho que era d'um canteiro, E onde, talvez, se fa�a inda o jazigo Em que eu irei apodrecer primeiro! Eu sinto ainda a fl�r da tua pelle, Tua luva, teu veu, o que tu �s! N�o sei que tenta��o � que te impelle Os pequeninos e can�ados p�s. Sei que em tudo attentavas, tudo vias! Eu por mim tinha pena dos mar�anos, Como ratos, nas gordas mercearias, Encafunados por immensos annos! Tu sorriras de tudo: Os carvoeiros, Que apparecem ao fundo d'umas minas, E � crua luz os pallidos barbeiros Com oleos e maneiras femininas! Fins de semana! Que miseria em bando! O povo folga, estupido e grisalho! E os artistas d'officio iam passando, Com as ferias, ralados do trabalho. O quadro anterior, d'um que � cand�a, Ensina a filha a ler, metteu-me d�! Gosto mais do plebeu que cambal�a, Do bebado feliz que falla s�! De subito, na volta de uma esquina, Sob um bico de gaz que abria em leque, Vimos um militar, de barretina E gal�es marciaes de pechisbeque, E em quanto elle fallava ao seu namoro, Que morava n'um predio de azul�jo, Nos nossos labios retinio sonoro Um vigoroso e formidavel beijo! E assim ao meu capricho abandonada, Err�mos por travessas, por viellas, E pass�mos por p� d'uma tapada E um palacio real com sentinellas. E eu que busco a moderna e fina arte, Sobre a umbrosa cal�ada sepulchral, Tive a rude inten��o de violentar-te Imbecilmente como um animal! Mas ao rumor dos ramos e d'aragem, Como longiquos bosques muito ermos, Tu querias no meio da folhagem Um ninho enorme para n�s vivermos. E ao passo que eu te ouvia abstractamente, � grande pomba t�pida que arrulha, Vinham batendo o macadam fremente, As patadas sonoras da patrulha, E atravez a immortal cidadesinha, N�s fomos ter �s portas, �s barreiras, Em que uma negra multid�o se apinha De tecel�es, de fumos, de caldeiras. Mas a noite dormente e esbranqui�ada Era uma esteira lucida d'amor; � jovial senhora perfumada, � terrivel crean�a! Que esplendor! E ali come�aria o meu desterro!... Lodoso o rio, e glacial, corria; Sent�mo-nos, os dois, n'um novo aterro Na muralha dos caes de cantaria. Nunca mais amarei, j� que n�o me amas, E � preciso, decerto, que me deixes! Toda a mar� luzida como escamas, Como alguidar de prateados peixes. E como � necessario que eu me afoite A perder-me de ti por quem existo, Eu fui passar ao campo aquella noite E andei leguas a p�, pensando n'isto. E tu que n�o ser�s s�mente minha, �s caricias leitosas do luar, Recolheste-te, pallida e s�sinha � gaiola do teu terceiro andar! MANHANS BRUMOSAS Aquella, cujo amor me causa alguma pena, P�e o chapeo ao lado, abre o cabello � banda, E com a forte voz cantada com que ordena, Lembra-me, de manhan, quando nas praias anda, Por entre o campo e o mar, bucolica, morena, Uma pastora audaz da religiosa Irlanda. Que linguas fala? A ouvir-lhe as inflex�es inglezas, --Na Nevoa azul, a ca�a, as pescas, os rebanhos!-- Sigo-lhe os altos p�s por estas asperezas; E o meu desejo nada em epoca de banhos, E, ave de arriba��o, elle enche de surprezas Seus olhos de perdiz, redondos e castanhos. As irlandezas teem soberbos desmazelos! Ella descobre assim, com lentid�es ufanas, Alta, escorrida, abstracta, os grossos tornozelos; E como aquellas s�o maritimas, serranas, Suggere-me o naufragio, as musicas, os gelos E as redes, a manteiga, os queijos, as choupanas. Parece um �rural boy�! Sem brincos nas orelhas, Traz um vestido claro a comprimir-lhe os flancos, Bot�es a tiracollo e applica��es vermelhas; E � roda, n'um paiz de prados e barrancos, Se as minhas maguas v�o, mansissimas ovelhas, Correm os seus desdens, como vitellos brancos. E aquella, cujo amor me causa alguma pena, P�e o chapeo ao lado, abre o cabello � banda, E com a forte voz cantada com que ordena, Lembra-me, de manhan, quando nas praias anda, Por entre o campo e o mar, catholica, morena, Uma pastora de audaz da religiosa Irlanda. FRIGIDA I Balzac � meu rival, minha senhora ingleza! Eu quero-a porque odeio as carna��es redondas! Mas elle eternisou-lhe a singular belleza E eu turbo-me ao deter seus olhos c�r das ondas. II Admiro-a. A sua longa e placida estatura Exp�e a magestade austera dos invernos. N�o cora no seu todo a timida candura; Dansam a paz dos ceos e o assombro dos infernos. III Eu vejo-a caminhar, fleugmatica, irritante, N'uma das m�os franzindo um len�o de cambraia!... Ninguem me prende assim, funebre, extravagante, Quando arrega�a e ondula a pregui�osa saia! IV Ouso esperar, talvez, que o seu amor me acoite, Mas nunca a fitarei d'uma maneira franca; Traz o esplendor do Dia e as pallidez da Noite, �, como o Sol, dourada, e, como a Lua, branca! V Podesse-me eu prostrar, n'um meditado impulso, � gelida mulher bizarramente estranha, E tremulo depor os labios no seu pulso, Entre a macia luva e o punho de bretanha!... VI Scintilla no seu rosto a lucidez das joias. Ao encarar comsigo a phantasia pasma; Pausadamente lembra o silvo das giboias E a marcha demorada e muda d'um phantasma. VII Metallica vis�o que Charles Baudelaire Sonhou e presentiu nos seus delirios mornos, Permitta que eu lhe adule a distinc��o que fere, As curvas de magreza e o lustre dos adornos! VIII Deslise como um astro, uma astro que declina; T�o descan�ada e firme � que me desvaria, E tem a lentid�o d'uma corveta fina Que nobremente v� n'um mar de calmaria. IX N�o me imagine um doido. Eu vivo como um monge, No bosque das fic��es, � grande flor do Norte! E, ao, perseguil-a, penso acompanhar de longe O socegado espectro angelico da Morte! X O seu vagar occulta uma elasticidade Que deve dar um gosto amargo e deleitoso, E a sua glacial impassibilidade Exalta o meu desejo e irrita o meu nervoso. XI Porem, n�o arderei aos seus contactos frios, E n�o me enroscar� nos serpentinos bra�os: Receio supportar febr�es e calefrios; Adoro no seu corpo os movimentos lassos. XII E se uma vez me abrisse o collo transparente, E me osculasse, emfim, flexivel e submisso, Eu julgaria ouvir alguem, agudamente, Nas trevas, a cortar peda�os de corti�a! DE VER�O A Eduardo Coelho I No campo; eu acho n'elle a musa que me anima: A claridade, a robustez, a ac��o. Esta manh�, sa� com minha prima, Em que eu noto a mais sincera estima E a mais completa e s�ria educa��o. II Crean�a encantadora! Eu mal esbo�o o quadro Da lyrica excurs�o, d'intimidade N�o pinto a velha ermida com seu adro; Sei s� desenho de compasso e esquadro, Respiro industria, paz, salubridade. III Andam cantando aos bois; vamos cortando as leiras; E tu dizias: �Fumas? E as fagulhas? Apaga o teu cachimbo junto �s eiras; Colhe-me uns brincos rubros nas ginjeiras! Quando me alegra a calma das debulhas!� IV E perguntavas sobre os ultimos inventos Agr�colas. Que aldeias t�o lavadas! Bons ares! Boa luz! Bons alimentos! Olha: Os saloios vivos, corpulentos, Como nos fazem grandes barretadas! V Voltemos. Na ribeira abundam as ramagens Dos olivaes escuros. Onde ir�s? Regressam os rebanhos das pastagens; Ondeiam milhos, nuvens e miragens, E, silencioso, eu fico para traz. VI N'uma collina azul brilha um logar caiado. Bello! E arrimada ao cabo da sombrinha, Com teu chap�o de palha, desabado, Tu contin�as na azinhaga; ao lado Verdeja, vicejante, a nossa vinha. VII N'isto, parando, como alguem que se analysa, Sem desprender do ch�o teus olhos castos, Tu come�aste, harmonica, indecisa, A arrega�ar a chita, alegre e lisa Da tua cauda um poucochinho a rastos. VIII Espreitam-te, por cima, as frestas dos celleiros; O sol abrasa as terras j� ceifadas, E alvejam-te, na sombra dos pinheiros, Sobre os teus p�s decentes, verdadeiros, As saias curtas, frescas, engommadas. IX E, como quem saltasse, extravagantemente, Um rego d'agua sem se enxovalhar, Tu, a austera, a gentil, a intelligente, Depois de bem composta, d�ste � frente Uma pernada comica, vulgar! X Exotica! E cheguei-me ao p� de ti. Que vejo! No atalho enxuto, e branco das espigas Caidas das carradas no salmejo, Esguio e a negrejar em um cortejo, Destaca-se um carreiro de formigas. XI Ellas, em sociedade, espertas, diligentes, Na natureza tr�mula de sede, Arrastam bichos, uvas e sementes; E atulha, por instincto, previdentes, Seus antros quasi occultos na parede. XII E eu desatei a rir como qualquer macaco! �Tu n�o as esmagares contra o solo!� E ria-me, eu ocioso, inutil, fraco, Eu de jasmim na casa do casaco E d'oculo deitado a tiracolo! XIII �As ladras da colheita! Eu se trouxesse agora Um sublimado corrosivo, uns p�s De solim�o, eu, sem maior demora, Envenenal-as-hia! Tu, por ora, Preferes o romantico ao feroz. XIV Que compaix�o! Julgava at� que matarias Esses insectos importunos! Basta. Merecem-te espantosas sympathias? Eu felicito suas senhorias, Que honraste com um pulo de gymnasta!� XV E emfim calei-me. Os teus cabellos muito loiros Luziam, com do�ura, honestamente; De longe o trigo em monte, e os calcadoiros, Lembravam-me fus�es d'immensos oiros, E o mar um prado verde e florescente. XVI Vibravam, na campina, as chocas da manada; Vinham uns carros a gemer no outeiro, E finalmente, energica, zangada, Tu inda assim bastante envergonhada, Volveste-me, apontando o formigueiro: XVII �N�o me incommode, n�o, com ditos detestaveis! N�o seja simplesmente um zombador! Estas mineiras negras, incan�aveis, S�o mais economistas, mais notaveis, E mais trabalhoras que o senhor.� O SENTIMENTO D'UM OCCIDENTAL A Guerra Junqueiro I AVE MARIAS Nas nossas ruas, ao anoitecer, Ha tal soturnidade, ha tal melancholia, Que as sombras, o bulicio, o Tejo, a maresia Despertam-me um desejo absurdo de soffrer. O ceu parece baixo e de neblina, O gaz extravasado enj�a-me, perturba; E os edificios, com as chamin�s, e a turba Toldam-se d'uma c�r monotona e londrina. Batem os carros de aluguer, ao fundo, Levando � via ferrea os que se v�o. Felizes! Occorrem-me em revista exposi��es, paizes: Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo! Semelham-se a gaiolas, com viveiros, As edifica��es s�mente emmadeiradas: Como morcegos, ao cair das badaladas, Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros. Voltam os calafates, aos magotes, De jaquet�o ao hombro, enfarruscados, seccos; Embrenho-me, a scismar, por boqueir�es, por beccos, Ou �rro pelos caes a que se atracam botes. E evoco, ent�o, as chronicas navaes: Mouros, baixeis, heroes, tudo resuscitado! Lucta Cam�es no Sul, salvando um livro a nado! Singram soberbas naus que eu n�o verei j�mais! E o fim da tarde inspira-me; e incommoda! De um coura�ado inglez vogam os escaleres; E em terra n'um tinir de lou�as e talheres Flammejam, ao jantar, alguns hoteis da moda. N'um trem de pra�a arengam dois dentistas; Um tropego arlequim braceja n'umas andas; Os cherubins do lar fluctuam nas varandas; �s portas, em cabello, enfadam-se os logistas! Vasam-se os arsenaes e as officinas; Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras; E n'um cardume negro, herculeas, galhofeiras, Correndo com firmeza, assomam as varinas. Vem sacudindo as ancas opulentas! Seus troncos varonis recordam-me pilastras; E algumas, � cabe�a, embalam nas canastras Os filhos que depois naufragam nas tormentas, Descal�as! Nas descargas de carv�o, Desde manh� � noite, a b�rdo das fragatas; E apinham-se n'um bairro aonde miam gatas, E o peixe p�dre g�ra os focos de infec��o! II NOITE FECHADA Toca-se as grades, nas cadeias. Som Que mortifica e deixa umas loucuras mansas! O aljube, em que hoje est�o velhinhas e crean�as, Bem raramente encerra uma mulher de �dom�! E eu desconfio, at�, de um aneurisma T�o morbido me sinto, ao accender das luzes; � vista das pris�es, da velha s�, das cruzes, Chora-me o cora��o que se enche e que se abysma. A espa�os, illuminam-se os andares, E as tascas, os caf�s, as tendas, os estancos Alastram em len�ol os seus reflexos brancos; E a lua lembra o circo e os jogos malabares. Duas egrejas, n'um saudoso largo, Lan�am a nodoa negra e funebre do clero: N'ellas esfumo um ermo inquisidor severo, Assim que pela Historia eu me aventuro e alargo. Na parte que abateu no terremoto, Muram-se as construc��es rectas, eguaes, crescidas; Affrontam-me, no resto, as ingremes subidas, E os sinos d'um tanger monastico e devoto. Mas, n'um recinto publico e vulgar, Com bancos de namoro e exiguas pimenteiras, Bronzeo, monumental, de propor��es guerreiras, Um �pico d'outr'ora ascende, n'um pilar! E eu sonho o Colera, imagina a Febre, N'esta accumula��o de corpos enfezados; Sombrios e espectraes recolhem os soldados; Inflamma-se um palacio em face de um casebre. Partem patrulhas de cavallaria Dos arcos dos quarteis que foram j� conventos; Edade-m�dia! A p�, outras, a passos lentos, Derramam-se por toda a capital, que esfria. Triste cidade! Eu temo que me avives Uma paix�o defunta! Aos lampe�es distantes, Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes, Curvadas a sorrir �s montras dos ourives. E mais: as costureiras, as floristas Descem dos magasins, causam-me sobresaltos; Custa-lhes a elevar os seus pesco�os altos E muitas d'ellas s�o comparsas ou coristas. E eu, de luneta de uma lente s�, Eu acho sempre assumpto a quadros revoltados: Entro na brasserie; �s mesas de emigrados, Ao riso e � crua luz joga-se o domin�. III AO GAZ E saio. A noite peza, esmaga. Nos Passeios de lagedo arrastam-se as impuras. � molles hospitaes! Sae das embocaduras Um sopro que arripia os hombros quasi n�s. Cercam-me as lojas, t�pidas. Eu penso Ver cirios lateraes, ver filas de capellas, Com santos e fieis, andores, ramos, velas, Em uma cathedral de um comprimento immenso. As burguezinhas do Catholocismo Resvalam pelo ch�o minado pelos canos; E lembram-me, ao chorar doente dos pianos, As freiras que os jejuns matavam de hysterismo. N'um cutileiro, de avental, ao torno, Um forjador maneja um malho, rubramente; E de uma padaria exhala-se, inda quente, Um cheiro salutar e honesto a p�o no forno. E eu que medito um livro que exarcebe, Quizera que o real e a analyse m'o dessem; Casas de confec��es e modas resplandecem; Pelas vitrines �lha um ratoneiro imberbe. Longas descidas! N�o poder pintar Com versos magistraes, salubres e sinceros, A esguia diffus�o dos vossos reverberos, E a vossa pallidez romantica e lunar! Que grande cobra, a lubrica pessoa, Que espartilhada escolhe uns chales com debuxo! Sua excellencia attr�e, magnetica, entre luxo, Que ao longo dos balc�es de mogno se amontoa. E aquella velha, de band�s! Por vezes, A sua tra�ne imita um leque antigo, aberto, Nas barras verticaes, a duas tintas. Perto, Escarvam, � victoria, os seus mecklemburguezes. Desdobram-se tecidos estrangeiros; Plantas ornamentaes seccam nos mostradores; Fl�cos de p�s de arroz pairam suffocadores, E em nuvems de setins requebram-se os caixeiros, Mas tudo can�a! Apagam-se nas frentes Os candelabros, como estrellas, pouco a pouco; Da solid�o regouga um cauteleiro rouco; Tornam-se mausol�os as arma��es fulgentes. �D� da miseria!... Compaix�o de mim!...� E, nas esquinas, calvo, eterno, sem repouso, Pede-me sempre esmola um homemzinho idoso, Meu velho professor nas aulas de latim! IV HORAS MORTAS O tecto fundo de oxygenio, d'ar, Estende-se ao comprido, ao meio das trapeiras; Vem lagrimas de luz dos astros com olheiras, Enleva-me a chimera azul de transmigrar. Por baixo, que port�es! Que arruamentos! Um parafuso c�e nas lages, �s escuras: Collocam-se taipaes, rangem as fechaduras, E os olhos d'um caleche espantam-me, sangrentos. E eu sigo, como as linhas de uma pauta A dupla correnteza augusta das fachadas; Pois sobem, no silencio, infaustas e trinadas, As notas pastoris de uma longiqua flauta. Se eu n�o morresse, nunca! E eternamente Buscasse e conseguisse a perfei��o das cousas! Esque�o-me a prever castissimas esposas, Que aninhem em mans�es de vidro transparente! � nossos filhos! Que de sonhos ageis, Pousando, vos trar�o a nitidez �s vidas! Eu quero as vossas m�es e irm�s estremecidas, N'umas habita��es translucidas e frageis. Ah! Como a ra�a ruiva do porvir, E as fr�tas dos av�s, e os n�madas ardentes, N�s vamos explorar todos os continentes E pelas vastid�es aquaticas seguir! Mas se vivemos, os emparedados, Sem arvores, no valle escuro das muralhas!... Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas E os gritos de soccorro ouvir estrangulados. E n'estes nebulosos corredores Nauseam-me, surgindo, os ventres das tabernas; Na volta, com saudade, e aos bordos sobre as pernas, Cantam, de bra�o dado, uns tristes bebedores. Eu n�o receio, todavia, os roubos; Afastam-se, a distancia, os dubios caminhantes; E sujos, sem ladrar, osseos, febris, errantes, Amarelladamente, os c�es parecem lobos. E os guardas, que revistam as escadas, Caminham de lanterna e servem de chaveiros; Por cima, as immoraes, nos seus roup�es ligeiros, Tossem, fumando sobre a pedra das sacadas. E, enorme, n'esta massa irregular De predios sepulchraes, com dimens�es de montes, A D�r humana busca os amplos horisontes, E tem mar�s, de fel, como um sinistro mar! DE TARDE N'aquelle �pic-nic� de burguezas, Houve uma cousa simplesmente bella, E que, sem ter historia nem grandezas, Em todo o caso dava uma aguarella. Foi quando tu, descendo do burrico, Foste colher, sem imposturas tolas, A um granzoal azul de gr�o de bico Um ramalhete rubro de papoulas. Pouco depois, em cima d'uns penhascos, N�s acamp�mos, inda o sol se via; E houve talhadas de mel�o, damascos, E p�o de l� molhado em malvasia. Mas, todo purpuro a sahir da renda Dos teus dois seios como duas rolas, Era o supremo encanto da merenda O ramalhete rubro das papoulas! EM PETIZ I DE TARDE Mais morta do que viva, a minha companheira Nem for�a teve em si para soltar um grito; E eu, n'esse tempo, um destro e bravo rapazito, Como um homemzarr�o servi-lhe de barreira! Em meio de arvoredo, azenhas e ruinas, Pulavam para a fonte as bezerrinhas brancas; E, t�tas a abanar, as m�es de largas ancas, Desciam mais atraz, malhadas e turinas. Do seio do logar--casitas com postigos-- Vem-nos o leite. Mas baptisam-n'o primeiro. Leva-o, de madrugada, em bilhas, o leiteiro, Cujo preg�o vos tira ao vosso somno, amigos! N�s davamos, os dois, um giro pelo valle: Varzeas, povoa��es, p�gos, silencios vastos! E os fartos animaes, ao recolher dos pastos, Ro�avam pelo teu �costume de percale�. J� n�o receias tu essa vaquita preta, Que eu segurei, prendi por um chavelhoe? Juro Que estavas a tremer, cosida com o muro, Hombros em p�, medrosa, e fina, de luneta! II OS IRM�OSINHOS Pois eu, que no deserto dos caminhos, Por ti me expunha immenso, contra as vaccas; Eu, que apartava as mansas das velhacas, Fugia com terror dos pobresinhos! Vejo-os no pateo, ainda! Ainda os ou�o! Os velhos, que nos rezam padre-nossos; Os mandri�es que rosnam, altos, grossos; E os cegos que se apoiam sobre o mo�o. Ah! Os ceguinhos com a c�r dos barros, Ou que a poeira no suor mascarra, Chegam das feiras a tocar guitarra, Rolam os olhos como dois escarros! E os pobres mettem medo! Os de marmita, Para forrar, por anno, alguns patacos, Entrapam-se nas mantas com buracos, Choramingando, a voz rachada, afflicta. Outros pedincham pelas cinco chagas; E no poial, tirando as ligaduras, Mostram as pernas putridas, maduras, Com que se arrastam pelas azinhagas! Querem viver! E picam-se nos cardos; Correm as villas; sobem os outeiros; E �s horas de calor, nos esterqueiros, De roda d'elles zumbem os moscardos. Aos sabbados, os monstros, que eu lamento, Batiam ao port�o com seus cajados; E um aleijado com os p�s quadrados, Pedia-nos de cima de um jumento. O resmung�o! Que barbas! Que saccolas! Cheirava a migas, a bafio, a arrotos; Dormia as noutes por telheiros rotos, E sustentava o burro a p�o d'esmolas. * * * * * � minha loura e doce como um bolo! Affavel hospeda na nossa casa, Logo que a torrida cidade abraza, Como um enorme f�rno de tijolo! Tu visitavas, esmoler, garrida, Umas crean�as n'um casal queimado; E eu, pela estrada, espica�ava o gado, N'uma attitude esperta e decidida. Por lobishomens, por pap�es, por bruxas, Nunca soffremos o menor receio. Temieis v�s, por�m, o meu aceio, Mendigasitas sordidas, gorduchas! Vicios, sez�es, epidemias, furtos, De certo, fermentavam entre lixos; Que podrid�o cobria aquelles bichos! E que luar nos teus fatinhos curtos! * * * * * Sei de uma pobre, apenas, sem desleixos, Ru�a, descal�a, a trote nos atalhos, E que lavava o corpo e os seus retalhos No rio, ao p� dos choupos e dos freixos. E a douda a quem chamavam a �Ratada� E que fallava s�! Que antipathia! E se com ella a malta contendia, Quanta indecencia! Quanta palavrada! Uns operarios, n'estes descampados, Tambem surdiam, de chapeu de c�co, Dizendo-se, de olhar rebelde e louco, Artistas despedidos, desgra�ados. Muitos! E um bebedo--o Cam�es--que f�ra Rico, e morreu a mendigar, zarolho, Com uma pala verde sobre um olho! Tivera ovelhas, bois, mulher, lavoura. E o resto? Bandos de selvagensinhos: Um n� que se gabava de maroto; Um, que cortada a m�o, co�ava o coto, E os bons que nos tratavam por padrinhos. Pediam fatos, botas, cobertores! Outro jogava bem o pau, e vinha Chorar, humilde, junto da coxinha! �Cinco r�isinhos!... Nobres bemfeitores!... E quando alguns ficavam nos palheiros, E de manh� catavam os piolhos: Emquanto o sol batia nos restolhos E os nossos c�es ladravam, resingueiros! Hoje entriste�o. Lembro-me dos coxos, Dos surdos, dos manhosos, dos manetas. Sulcavam as cal�adas, de muletas; Cantavam, no pomar, os pintarroxos! III HISTORIAS Scismatico, doente, azedo, apoquentado, Eu agourava o crime, as facas, a enxovia, Assim que um besunt�o dos taes se apercebia Da minha blusa azul e branca, de riscado. Minaveis, ao ser�o, a cabecita loira, Com contos de provincia, ingenuas creaditas: Quadrilhas assaltando as quintas mais bonitas, E pondo a gente fina, em postas, de salmoira! Na noite velha, a mim, como ti��es ardendo, Fitavam-me os olh�es pesados das ciganas; Deitavam-n'os o fogo aos predios e arribanas; Cercava-me um incendio ensanguentado, horrendo. E eu que era um cavall�o, eu que fazia pinos, Eu que jogava a pedra, eu que corria tanto; Sonhava que os ladr�es--homens de quem m'espanto Roubavam para azeite a carne dos meninos! E protegia-te eu, n'aquelle outomno brando, Mal tu sentias, entre as serras esmoitadas, Gritos de maioraes, mugidos de boiadas, Branca de susto, meiga e miope, estacando! N�S A A. de S. V. I Foi quando em dois ver�es, seguidamente, a Febre E o Cholera tambem andaram na cidade, Que esta popula��o, com um terror de lebre, Fugiu da capital como da tempestade. Ora, meu pae, depois das nossas vidas salvas, (At� ent�o n�s s� tiveramos sarampo), Tanto nos viu crescer entre uns mont�es de malvas Que elle ganhou por isso um grande amor ao campo. Se acaso o conta, ainda a fronte se lhe enruga: O que se ouvia sempre era o dobrar dos sinos; Mesmo no nosso predio, os outros inquilinos Morreram todos. N�s salv�mo-nos na fuga. Na parte mercantil, foco da epidemia, Um panico! Nem um navio entrava a barra, A alfandega parou, nenhuma loja abria, E os turbolentos caes cessaram a algazarra. Pela manh�, em vez dos trens dos baptisados, Rodavam sem cessar as seges dos enterros. Que triste a sucess�o dos armazens fechados! Como um domingo inglez na �city�, que desterro! Sem canalisa��o, em muitos burgos ermos, Seccavam dejec��es cobertas de mosqueiros. E os medicos, ao p� dos padres e coveiros, Os ultimos fieis, tremiam dos enfermos! Uma illumina��o a azeite de purgueira, De noite amarellava os predios macillentos. Barricas d'alcatr�o ardiam; de maneira Que tinham tons d'inferno outros arruamentos. Por�m, l� fora, � solta, exageradamente Emquanto acontecia essa calamidade, Toda a vegeta��o, plethorica, potente, Ganhava immenso com a enorme mortandade! N'um impeto de seiva os arvoredos fartos, N'uma opulenta furia as novidades todas, Como uma universal celebra��o de bodas, Amaram-se! E depois houve soberbos partos. Por isso, o chefe antigo e bom da nossa casa, Triste d'ouvir fallar em orph�os e em viuvas, E em permanencia olhando o horizonte em brasa, N�o quiz voltar sen�o depois das grandes chuvas. Elle d'um lado, via os filhos achacados, Um livido flagello e uma molestia horrenda! E via, do outro lado, eiras, lezirias, prados, E um salutar refugio e um lucro na vivenda! E o campo, desde ent�o, segundo o que me lembro, � todo o meu amor de todos estes annos! N�s vamos para l�; somos provincianos, Desde o calor de maio aos frios de novembro! II Que de fructa! E que fresca e tempor�, Nas duas boas quintas bem muradas, Em que o sol, nos talh�es e nas latadas, Bate de chapa, logo de manh�! O laranjal de folhas negrejantes, (Porque os terrenos s�o resvaladi�os) Desce em socalcos todos os macissos, Como uma escadaria de gigantes. Das courellas, que criam cereaes, De que os donos--ainda!--pagam foros. Dividem-n'o fechados pitosporos, Abrigos de raizes verticaes. Ao meio, a casaria branca assenta � beira da cal�ada, que divide Os escuros pomares de pevide, Da vinha, n'uma encosta soalhenta! Entretanto, nao ha maior prazer Do que, na placidez das duas horas, Ouvir e ver, entre o chiar das noras, No largo tanque as bicas a correr! Muito ao fundo, entre olmeiros seculares, Secca o rio! Em trez mezes d'estiagem, O seu leito � um atalho de passagem, Pedregosissimo, entre dois logares. Como lhe luzem seixos e burgaus Roli��s! Marinham nas ladeiras Os renques africanos das piteiras, Que como �loes espigam altos paus! Montanhas inda mais longiquamente, Com restevas, e combros como bo�as, Lembram cabe�as estupendas, grossas, De cabello grisalho, muito rente. E, a contrastar, nos valles, em geral, Como em vidra�a d'uma enorme estufa, Tudo se attrae, se imp�e, alarga e entufa, D'uma vitalidade equatorial! Que de frugalidades n�s criamos! Que torr�o espontaneo que n�s somos! Pela outomnal matura��o dos pomos, Com a carga, no ch�o pousam os ramos. E assim postas, nos barros e areiaes, As maceiras vergadas fortemente, Parecem, d'uma fauna surprehendente, Os polypos enormes, diluviaes. Comtudo, n�s n�o temos na fazenda Nem uma planta s� de mero ornato! Cada p� mostra-se util, � sensato, Por mais finos aromas que rescenda! Finalmente, na fertil depress�o, Nada se v� que a nossa m�o n�o regre: A florescencias d'um matiz alegre Mostra um sinal--a fructifica��o! * * * * * Ora, ha dez annos, n'este ch�o de lava E argila e areia e alluvi�es dispersas, Entre especies botanicas diversas, Forte, a nossa familia radiava! Unicamente, a minha doce irm�, Como uma tenue e immaculada rosa, Dava a nota galante e melindrosa Na trabalheira rustica, alde�. E foi n'um anno prodigo, excellente, Cuja amargura nada sei que adoce, Que n�s perdemos essa flor precoce, Que cresceu e morreu rapidamente! Ai d'aquelles que nascem n'este cahos, E, sendo fracos, sejam generosos! As doen�as assaltam os bondosos E--custa a crer--deixam viver os maus! * * * * * Fecho os olhos can�ados, e descrevo Das telas da memoria retocadas, Biscates, hortas, batataes, latadas, No paiz montanhoso, com relevo! Ah! Que aspectos benignos e ruraes N'esta localidade tudo tinha, Ao ires, com o banco de palhinha, Para a sombra que faz nos parreiraes! Ah! Quando a calma, � sesta, nem consente Que uma folha se mova ou se desmanche, Tu, refeita e feliz com o teu �lunch�, Nos ajudavas, voluntariamente!... Era admiravel--n'este grau do Sul!-- Entre a rama avistar o teu rosto alvo, Ver-te escolhendo a uva diagalvo, Que eu embarcava para Liverpool. A exporta��o de frutas era um jogo: Dependiam da sorte do mercado O boal, que � de perolas formado, E o ferral, que � ardente e c�r de fogo! Em agosto, ao calor canicular, Os passaros e enxames tudo infestam; Tu cortavas os bagos que n�o prestam Com a tua thesoura de bordar. Douradas, pequeninas, as abelhas, E negros, volumosos, os besoiros, Circumdavam, com impetos de toiros, As tuas candidissimas orelhas. Se uma vespa lan�ava o seu ferr�o Na tua cutis--petala de leite!-- N�s collocavamos dez r�is e azeite Sobre a galante, a rosea inflamma��o! E se um de n�s, j� farto, arrenegado, Com o chapeo ca�ava a bicharia, Cada zang�o voando, � luz do dia, Lembrava o teu dedal arremessado. * * * * * Que d'encantos! Na for�a do calor Desabrochavas no padr�o da bata, E, surgindo da gola e da gravata, Teu pesco�o era o caule d'uma flor! Mas que cegueira a minha! Do teu porte A fina curva, a indefinida linha, Com bondades d'herbivora mansinha, Eram prenuncios de fraqueza e morte! � procura da libra e do �schilling�, Eu andava abstracto e sem que visse Que o teu alvor romantico de �miss� Te obrigava a morrer antes de mim! E antes tu, ser lindissimo, nas faces Tivesses �panno� como as camponezas; E sem brancuras, sem delicadezas, Vigorosa e plebeia, inda durasses! Uns modos de carnivora feroz Podias ter em vez de inoffensivos; Tinhas caninos, tinhas incisivos, E podias ser rude como n�s! Pois n'este s�tio, que era de sequeiro, Todo o genero ardente resistia, E, � larguissima luz do Meio-dia, Tomava um tom opalico e trigueiro! * * * * * Sim! Europa do Norte, o que supp�es Dos vergeis que abastecem teus banquetes, Quando �s dockas, com fructas, os paquetes Chegam antes das tuas esta��es?! Oh! As ricas �primeurs� da nossa terra E as tuas frutas acidas, tardias, No azedo amoniacal das queijarias Dos fleugmaticos �farmers� d'Inglaterra! � cidades fabris, industriaes, De nevoeiros, poeiradas de hulha, Que pensaes do paiz que vos atulha Com a fructa que sae dos seus quintaes? Todos os annos, que frescor se exhala! Abundancias felizes que eu recordo! Carradas brutas que iam para b�rdo! Vapores por aqui fazendo escala! Uma alta parreira muscatel Por doce n�o servia para embarque: Palacios que rodeiam Hyde-Park, N�o conheceis esse divino mel! Pois a Cor�a, o Banco, o Almirantado, N�o as t�m nas florestas em que ha cor�as, Nem em v�s que dobraes as vossas for�as, Pradarias d'um verde illimitado! Anglos-Saxonios, tendes que invejar! Ricos suicidas, comparae comvosco! Aqui tudo espontaneo, alegre, tosco, Facilimo, evidente, salutar! Opponde �s regi�es que d�o os vinhos Vossos montes d'escorias inda quentes! E as febris officinas estridentes �s nossas tecelagens e moinhos! E � condados mineiros! Extens�es Carboniferas! Fundas galerias! Fabricas a vapor! Cutelarias! E mechanicas, tristes fia��es! Bem sei que preparaes correctamente O a�o e a seda, as laminas e o estofo; Tudo o que h� de mais d�ctil, de mais fofo, Tudo o que ha de mais rijo e resistente! Mas isso tudo � falso, � machinal, Sem vida, como um circulo ou um quadrado, Com essa perfei��o do fabricado, Sem o rythmo do vivo e do real! E c� o santo sol, sobre isso tudo, Faz conceber as verdes ribanceiras; Lan�a as rosaceas bellas e fructeiras Nas searas de trigo palhagudo! Uma aldeia d'aqui � mais feliz, Londres sombria, em que scintilla a corte!... Mesmo que tu, que vives a compor-te, Grande seio arquejante de Paris!... Ah! Que de gloria, que de colorido, quando, por meu mandado e meu conselho, C� se empapelam �as ma��s d'espelho� Que Herbert Spencer talvez tenha comido! Para alguns s�o prosaicos, s�o banaes Estes versos de fibra succolenta; Como se a polpa que nos dessedenta Nem ao menos valesse uns madrigaes! Pois o que a bocca trava com surprezas Sen�o as frutas t�nicas e puras! Ah! N'um jantar de carnes e gorduras A gra�a vegetal das sobremesas!... Jack, marujo inglez, tu tens raz�o Quando, ancorando em portos como os nossos, As laranjas com cascas e car��os Comes com bestial soffreguid�o!... * * * * * A impress�o d'outros tempos, sempre viva, D� estreme��es no meu passado morto, E inda viajo, muita vez, absorto, Pelas varzeas da minha retentiva. Ent�o recordo a paz familiar, Todo um painel pacifico d'enganos! E a distancia fatal d'uns poucos annos � uma lente convexa, d'augmentar. Todos os typos mortos resuscito! Perpetuam-se assim alguns minutos! E eu exag�ro os casos diminutos Dentro d'um v�o de lagrimas bemdito. Pinto quadros por lettras, por signaes, T�o luminosos como os do Levante, Nas horas em que a calma � mais queimante, Na quadra em que o ver�o aperta mais. Como destacam, vivas, certas cores, Na vida externa cheia d'alegrias! Horas, vozes, locaes, physionomias, As ferramentas, os trabalhadores! Aspiro um cheiro a cosedura, e a lar E a rama do pinheiro! Eu adivinho O resinoso, o t�o agreste pinho Serrado nos pinhaes da beira mar. Vinha cortada, aos feixes, a madeira, Cheia de n�s, d'imperfei��es, de rachas; Depois armavam-se, n'um prompto as caixas Sob uma calma espessa e calaceira! Feias e fortes! Punham-lhes papel, A forral-as. E em grossa serradura Acamava-se a uva prematura Que n�o deve servir para tonel! Cingiam-n'as com arcos de castanho Nas ribeiras cortados, nos riachos; E eram d'assucar e calor os cachos, Criados pelo esterco e pelo amanho! � pobre estrume, como tu comp�es Estes pampanos doces como afagos! �Dedos de dama�: transparentes bagos! �Tetas de cabra�: lacteas carna��es! E n�o eram caixitas bem dispostas Como as passas de Malaga e Alicante; Com sua f�rma estavel, ignorante, Estas pesavam, brutalmente, �s costas! Nos vinhatorios via fulgurar, Com tanta cal que torna as vistas cegas, Os parallelogramos das adegas, Que t�m l� dentro as dornas e o lagar! Que rudeza! Ao ar livre dos estios. Que grande azafama! Apressadamente Como soava um martellar frequente, V�spera da saida dos navios! Ah! Ninguem entender que ao meu olhar Tudo tem certo espirito secreto! Com folhas de saudades um objecto Deita raizes duras de arrancar! As navalhas de volta, por exemplo, Cujo bico de passaro se arqueia, Forjadas no casebre d'uma aldeia, S�o antigas amigas que eu contemplo! Ellas, em seu labor, em seu lidar, Com sua ponta como a da podoas, Serviam pr�bas, uteis, dignas, boas, Nunca tintas de sangue e de matar. E as enx�s de martello, que d'um lado Cortavam mais do que as enxadas cavam, Por outro lado, r�pidas, pregavam, D'uma pancada, o prego fasquiado! O meu animo verga na abstrac��o, Com a espinha dorsal dobrada ao meio; Mas se de materiaes descubro um veio Ganho a musculatura d'um Sans�o! E assim--e mais no povo a vida � corna-- Amo os officios como o de ferreiro, Com seu folle arquejante, seu brazeiro, Seu malho retumbante na bigorna! E sinto, se me ponho a recordar Tanto utensilio, tantas perspectivas, As tradi��es antigas, primitivas, E a formidavel alma popular! Oh! Que brava alegria eu tenho quando Sou tal qual como os mais! E, sem talento, Fa�o um trabalho technico, violento, Cantando, praguejando, batalhando! * * * * * Os fruteiros, tostados pelos soes, Tinham passado, muita vez, a raia, E, espertos, entre os mais da sua laia, --Pobres camponios--eram uns heroes. E por isso, com phrases imprevistas, E colorido e estylo e valentia, As �haciendas� que ha na �Andalucia� Pintavam como novos paysagistas. De como, �s calmas, n'essas excurs�es, Tinham aguas salobras por refrescos; E amarellos, enormes, gigantescos, L� batiam o queixo com ses�es! Tinham corrido j� na adusta Hespanha, Todo um fertil plat� sem arvoredos, Onde armavam barracas nos vinhedos, Como tendas alegres de campanha. Que pragas castelhanas, que alegr�o, Quanto contavam scenas de pousadas! Adoravam as cintas encarnadas E as c�res, como os pretos do sert�o! E tinham, sem que a lei a tal obrigue, A educa��o vistosa das viagens! Uns por terra partiam e estalagens, Outros, aos montes, no convez d'um brigue! S� um havia, triste e sem fallar Que arrastava a maior misantropia, E, roxo como um figado, bebia O vinho tinto que eu mandava dar! Pobre da minha gera��o exangue De ricos! Antes, como os abrutados, Andar com uns sapatos encebados, E ter riqueza chimica no sangue! * * * * * Mas hoje a rustica lavoura, quer Seja o patr�o, quer seja o jornaleiro, Que inferno! Em v�o o lavrador rasteiro E a filharada lidam, e a mulher!... Desde o princ�pio ao fim � uma ma�ada De mil demonios! Torna-se preciso Ter-se muito vigor, muito juizo Para trazer a vida equilibrada! Hoje eu sei quanto custam a criar As cepas, desde que eu as p�do e empo. Ah! O campo n�o � um passatempo Com bucolismos, rouxinoes, luar. A n�s tudo nos rouba e nos dizima: O rapazio, o imposto, as pardaladas, As osgas pe�onhentas, achatadas, E as abelhas que engordam na vindima. E o pulg�o, a lagarta, os caracoes, E ha inda, alem do mais com que se ateima, As intemperies, o granizo, a queima, E a concorrencia com os hespanhoes. Na vendas, os vinhateiros d'Almeria Competem contra os nossos fazendeiros. D�o frutas aos leil�es dos estrangeiros, Por uma cota��o que nos desvia! Pois tantos contras, rudes como s�o, Forte e teimoso, o camponez destroe-os! Venham de l� pesados os comboyos E os �buques� estivados no por�o! N�o, n�o � justo que eu a culpa lance Sobre estes nadas! Puras bagatellas! N�s n�o vivemos s� de coisas bellas, Nem tudo corre como n'um romance! Para a Terra parir hade ter dor, E � para obter as asperas verdades, Que os agronomos cursam nas cidades, E, � sua custa, aprende o lavrador. Ah! N�o eram insectos nem as aves Que nos dariam dias t�o difficeis, Se v�s, sabios, na gente descobrisseis Como se curam as doen�as graves. N�o valem nada a cava, a enxofra, e o mais! Difficultoso trato das cearas! Lutas constantes sobre as jornas caras! Compras de bois nas feiras annuaes! O que a alegria em n�s destroe e mata, N�o � rede arrastante d'escalracho, Nem � �su�o� queimante como um facho, Nem invas�es bulhosas d'herva pata. Podia ter seccado o po�o em que eu Me debru�ava e te pregava sustos, E mais as hervas, arvores e arbustos Que--tanta vez!--a tua m�o colheu. �Molestia negra� nem �charbon� n�o era, Como um archote incendiando as parras! T�o pouco as bastas e invisiveis garras, Da enorme legi�o do phylloxera! Podiam mesmo, com o que cont�m, Os muros ter caido �s invernias! Somos fortes! As nossas energias Tudo vencem e domam muito bem! Que os rios, sim, que como touros mugem, Transbordando atulhassem as regueiras! Chorassem de resina as larangeiras! Ennegrecessem outras com ferrugem! As turvas cheias de novembro, em vez Do nateiro subtil que fertilisa, Fossem a inunda��o que tudo pisa, No rebanho afogassem muita rez! Ah! N'esse caso pouco se perdera, Pois isso tudo era um pequeno damno, � vista do cruel destino humano Que os dedos te fazia como cera! Era essa tysica em terceiro grau, Que nos enchia a todos de cuidado, Te curvava e te dava um ar alado Como quem vae voar d'um mundo mau. Era a desola��o que inda nos mina (Porque o fastio � bem peior que a fome) Que a meu pai deu a curva que a consome, E a minha m�e cabellos de platina. Era a chlorose, esse tremendo mal, Que desertou e que tornou funesta A nossa branca habita��o em festa Reverberando a luz meridional. N�o desejemos,--n�s os sem defeitos,-- Que os tysicos pere�am! M� theoria, Se pelos meus o apuro principia, Se a Morte nos procura em nossos leitos! A mim mesmo, que tenho a pretens�o De ter saude, a mim que adoro a pompa Das for�as, pode ser que se me rompa Uma arteria, e me mine uma les�o. N�s outros, teus irm�os, teus companheiros, Vamos abrindo um matagal de dores! E somos rijos como os serradores! E positivos como os engenheiros! Por�m, hostis, sobresaltados, s�s, Os homens architectam mil projectos De victoria! E eu duvido que os meus netos Morram de velhos como os meus av�s! Porque, parece, ou fortes ou velhacos Ser�o apenas os sobreviventes; E ha pessoas sinceras e clementes, E troncos grossos com seus ramos fracos! E que fazer se a gera��o decae! Se a seiva genealogica se gasta! Tudo empobrece! Extingue-se uma casta! Morre o filho primeiro do que o pai! Mas seja como for, tudo se sente Da tua ausencia! Ah! como o ar nos falta, � flor cortada, susceptivel, alta, Que assim seccaste prematuramente! Eu que de vezes tenho o desprazer De reflectir no tumulo! E medito No eterno Incognoscivel infinito, Que as id�as n�o podem abranger! Como em paul em que nem cres�a a junca Sei d'almas estagnadas! N�s absortos, Temos ainda o culto pelos Mortos, Esses ausentes que n�o voltam nunca! N�s ignoramos, sem religi�o, Ao rasgarmos caminho, a f� perdida, Se te vemos ao fim d'esta avenida Ou essa horrivel aniquila��o!... E � minha martyr, minha virgem, minha Infeliz e celeste creatura, Tu lembras-nos de longe a paz futura, No teu jazigo, como uma santinha! E emquanto a mim, �s tu que substitues Todo o mysterio, toda a santidade, Quando em busca do reino da verdade Eu ergo o meu olhar aos ceos azues! III Tinhamos n�s voltado � capital maldicta, Eu vinha de polir isto tranquillamente, Quando nos seccedeu uma cruel desdita, Pois um de n�s caiu, de subito, doente. Uma tuberculose abria-lhe cavernas! D�-me rebate ainda o seu tossir profundo! E eu sempre lembrarei, triste, as palavras ternas, Com que se despediu de todos e do mundo! Pobre rapaz robusto e cheio de futuro! N�o sei d'um infortunio immenso como o seu! Vio o seu fim chegar como um medonho muro, E, sem querer, afflicto e attonito, morreu! De tal maneira que hoje, eu desgostoso e azedo Como tanta crueldade e tantas injusti�as, Se inda trabalho � como os presos no degredo, Com planos de vingan�a e id�as insubmissas. E agora, de tal modo a minha vida � dura, Tenho momentos maus, t�o tristes, t�o perversos, Que sinto s� desdem pela litteratura, E at� despr�zo e esque�o os meus amados versos! PROVINCIANAS I Ol�! Bons dias! Em mar�o Que mocetona e que joven A terra! Que amor esparso Corre os trigos, que se movem �s vagas d'um verde gar�o! Como amanhece! Que meigas As horas antes de almo�o! Fartam-se as vaccas nas veigas E um pasto orvalhado e mo�o Produz as novas manteigas. Toda a paizagem se doura; Tibida ainda, que frecas! Bella mulher, sim senhora, N'esta manh� pittoresca, Primaveral, creadora! Bom sol! As sebes d'encosto D�o madresilvas cheirosas Que entotecem como um mosto Floridas, �s espinhosas Subio-lhes o sangue ao rosto. Cresce o relevo dos montes, Como seios offegantes; Murmuram como umas fontes Os rios que dias antes Bramiam galgando pontes. E os campos, milhas e milhas, Com p�vos d'espa�o a espa�o, Fazem-se �s mil maravilhas; Dir-se-ia o mar de sarga�o Glauco, ondulante, com ilhas! Pois bem. O inverno deixou-nos. � certo. E os gr�os e as sementes Que ficam d'outros outonos Acordam hoje frementes Depois d'uns poucos de somnos. Mas nem tudo s�o descantes Por esses longos caminhos Entre favaes palpitantes H� solos bravos, maninhos, Que expulsam seus habitantes! E n'esta quadra d'amores Que emigram os jornaleiros Ganh�es e trabalhadores! Passam clans de forasteiros Nas terras de lavradores. Tal como existem mercados Ou feiras, semanalmente Para comprarmos os gados Assim ha pra�as de gente Pelos domingos calados! Emquanto a ovelha arredonda, V�o tribus de sete filhos, Por varzeas que fazem onda, Para as derregas dos milhos E molhadellas da monda. De roda pulam borregos; Enchem ent�o as cardosas As mo�as d'esses labregos Com altas botas bartrosas De se atirarem aos regos! Eil-as que vem �s manadas Com caras de soffrimento, Nas grandes marchas for�adas! Vem ao trabalho, ao sustento, Com fouces, sachos, enchadas! Ai o palheiro das servas Se o feitor lhe tira as chaves! Ellas chegam �s catervas, Quando acasalam as aves E se fecundam as hervas!... II Ao meio dia na cama, Branca fidalga o que julga Das pequenas da su'ama?! Vivem minadas da pulga Negras do tempo e da lama. N�o � caso que a commova Ver suas irmans de leite, Quer fa�a frio, quer chova, Sem uma mam� que as deite Na tepidez d'um alcova?! Nota: Incompleta esta poesia. Foram os ultimos versos do poeta. NOTAS Cesario Verde (Jos� Joaquim Cesario Verde) nasceu em Lisboa, freguesia da Magdalena, em 25 de fevereiro de 1855 e falleceu no Pa�o do Lumiar em 19 de julho de 1886. Era filho do sr. Jos� Anastacio Verde, negociante, e da sr�. D. Maria da Piedade dos Santos Verde. * * * * * A estreia do poeta nos dominios da publicidade data de 1873. Foi o auctor d'estas notas e editor d'este livro quem fez publicar no Diario da Tarde do Porto, em folhetim, os primeiros versos de Cesario Verde, precedendo-os de uma carta de apresenta��o a Manoel d'Arriaga. Esses versos n�o se reproduzem no livro de Cesario Verde, porque o poeta os considerou muito inferiores aos que hoje se reproduzem. Realmente o eram--pela hesita��o do neophyto. * * * * * Outros versos foram condemnados pelo auctor e a condemna��o foi hoje respeitada: entre elles citaremos a Satyra ao Diario Illustrado, as poesias Vaidosa, Subindo, Desastre, e algumas outras composi��es de menos folego. * * * * * No Prefacio registra-se a promessa de um estudo critico sobre a Obra de Cesario Verde. Essa obra, dispersa nas columnas do Diario da tarde, do Porto, da Renascen�a, da Revista de Coimbra, da Tribuna, da Illustra��o, etc., n�o ser� discutida pelo auctor d'estas linhas. N�o � hoje discutida, nem o ser� jamais. Sobeja-lhe, ao auctor da promessa, em enternecimento e amargura quanto lhe falta em serenidade; --ficam auctorizados a dizer: quanto lhe falta em competencia. Tambem se registrou algures a promessa de um ajuste de contas com os insultadores do poeta. Inutil:--nenhum d'elles sobreviveu aos insultos. * * * * * Os 200 exemplares d'este livro ser�o distribuidos pelos parentes, pelos amigos e pelos admiradores provados do illustre poeta, bem como por Bibliothecas do paiz e do estrangeiro. A lista de distribui��o ser� publicada. As reclama��es justificadas ser�o attendidas. 1887. S. P. INDICE Dedicatoria Prefacio VERSOS CRISE ROMANESCA Deslumbramentos Septentrional Meridional Ironias do Desgosto Humilha��es Responso NATURAES Contrariedades A debil N'um bairro moderno Crystalisa��es Noites gelidas Sardenta Flores velhas Noite fechada Manhans brumosas Frigida De ver�o O sentimento d'um occidental De tarde Em petiz N�s Provincianas Notas End of Project Gutenberg's O Livro de Cesario Verde, by Cesario Verde *** END OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK O LIVRO DE CESARIO VERDE *** This file should be named 8olcv10.txt or 8olcv10.zip Corrected EDITIONS of our eBooks get a new NUMBER, 8olcv11.txt VERSIONS based on separate sources get new LETTER, 8olcv10a.txt Produced Jo�o Miguel Neves from images of the National Digital Library project from the National Library of Portugal. Project Gutenberg eBooks are often created from several printed editions, all of which are confirmed as Public Domain in the US unless a copyright notice is included. Thus, we usually do not keep eBooks in compliance with any particular paper edition. We are now trying to release all our eBooks one year in advance of the official release dates, leaving time for better editing. Please be encouraged to tell us about any error or corrections, even years after the official publication date. Please note neither this listing nor its contents are final til midnight of the last day of the month of any such announcement. The official release date of all Project Gutenberg eBooks is at Midnight, Central Time, of the last day of the stated month. A preliminary version may often be posted for suggestion, comment and editing by those who wish to do so. Most people start at our Web sites at: http://gutenberg.net or http://promo.net/pg These Web sites include award-winning information about Project Gutenberg, including how to donate, how to help produce our new eBooks, and how to subscribe to our email newsletter (free!). 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If the value per text is nominally estimated at one dollar then we produce $2 million dollars per hour in 2002 as we release over 100 new text files per month: 1240 more eBooks in 2001 for a total of 4000+ We are already on our way to trying for 2000 more eBooks in 2002 If they reach just 1-2% of the world's population then the total will reach over half a trillion eBooks given away by year's end. The Goal of Project Gutenberg is to Give Away 1 Trillion eBooks! This is ten thousand titles each to one hundred million readers, which is only about 4% of the present number of computer users. Here is the briefest record of our progress (* means estimated): eBooks Year Month 1 1971 July 10 1991 January 100 1994 January 1000 1997 August 1500 1998 October 2000 1999 December 2500 2000 December 3000 2001 November 4000 2001 October/November 6000 2002 December* 9000 2003 November* 10000 2004 January* The Project Gutenberg Literary Archive Foundation has been created to secure a future for Project Gutenberg into the next millennium. We need your donations more than ever! 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